MANIFESTO DO SERTÃO - A ARTE DE CONTAR E ESCUTAR ESTÓRIAS








         Nesta minha caminhada, partilhando, buscando, descobrindo, tenho coordenado muitas Oficinas. Mas, a que mais me envolveu, a que mais ferramentas ofereceu aos que lidam com a arte da expressão, pelas salas de aula de tantos cantos, foi a Arte de Contar Estórias.
         Esta arte sublime de contar e escutar estórias, de se expressar, traduzir e ser traduzido somente será possível pela magia da Leitura. Leitura dos sinais e símbolos com os quais definimos nossa caminhada, Leitura dos livros, da arte, da cultura e a Leitura de nossos desejos e valores.

            Em nossa caminhada, estamos sempre definindo, marcando nossas estradas, com sinais e símbolos que traduzem nossa presença. Para tanto, é preciso perceber e ser percebido. Mais ainda, é preciso se Expressar.
         A arte de se expressar, como recursos transmitidos e absorvidos pela leitura e pela manifestação simples e total, é a estrada mais verdadeira, mais simples e eficaz para que nossos sinais, nossos símbolos sejam percebidos e estejamos realmente definindo nossa caminhada. Aprendi, quando eu estava apreciando as primeiras descobertas, pelos símbolos que mamãe e papai me mostravam, que devemos deixar nossos sinais. Não podemos passar por uma estrada tão rica, complexa, simples e divertida, como é a Vida, sem deixar rastos. Mas, rastos profundos, que sejam inapagáveis. Isto só nos será possível, se nos guiarmos pela arte da expressão.
         A palavra, a participação, o partilhar, a busca, a descoberta, o experimentar. Precisamos seguir. Mas, seguir e ser um sinal, ser um ponto, uma ponte de partida, de passagem e uma fonte de expressão, expressão de nossas descobertas, de nossas buscas. Expressão de sinais que sejam a tradução, a ampliação da história de nossas estórias.
         Falando em história de nossas estórias, já estamos, pois, falando da arte sublime de contar e escutar estórias.
         Tudo aquilo que somos, que buscamos e descobrimos, tudo aquilo que partilhamos, é manejado, guiado pela arte de contar e escutar estórias. Quando fazemos bem feito, quando falamos, quando há expressão e compreensão, haverá tradução, absorção, então, é sinal que, verdadeiramente, contamos e escutamos estórias. Se você desejar, poderá fazer uma busca, passear por inúmeras trilhas de atos e relações de nossos hábitos e verá que, quando se entende e é entendido, passou-se pela arte de se expressar, contando e escutando estórias.
         A fala, som sublime, belo, simples, mágico, codificado para codificar os sinais de nossa expressão por estas trilhas, é um sinal vivo e presente na arte de contar e escutar estória.
         Se você deseja que sua mensagem seja absorvida por quem a recebe, faça com que a pessoa a escute. Seja simples, quanto mais simples for sua maneira de se expressar, de transmitir seus sinais, mais fortes serão as marcas que seus símbolos deixarão em quem escutar sua estória. Pronto! Estamos contando e escutando uma estória. É claro que há ferramentas fundamentais para que uma estória seja bem contada. Por exemplo:

·      Ler e entender a estória antes de contá-la.
·      Quem conta a estória deve conhecer o significado da história contada e visualizar cada detalhe das situações contidas na aventura.
·      Falar com fluência, clareza e simplicidade
·      Situar a estória no tempo e no espaço, com detalhes.
·      Movimentar-se com estética, sem estereótipos.
·      Não mencionar, com termos pejorativos, personagens com características comuns às das pessoas presentes no ambiente (gordo, magro, baixo, careca, negro, loira, etc.).
·      Dar a cada personagem uma voz diferente. Sem exageros.
·      Quem conta precisa ser ousado. Quem escuta precisa ser sensível, lúdico, receptivo. Improvise. Saiba  que a estória está nascendo, sempre.

Outra virtude, uma importante ferramenta, que devemos buscar, a cada instante de nossas buscas, é a arte de escutar. Todas as pessoas, principalmente as que vivem em nossa intimidade, têm muitas estórias a serem contadas. É sublime, divertido, terapêutico, por que não?! Sentir que estas estórias são absorvidas por pessoas valiosas a quem as conta, é de grande valor.
         As crianças, os jovens, sofrem muito com essa falta de espaço para esta troca na expressão. Se não os escutamos, se em casa, na família, não lhes damos espaço, não escutamos suas estórias, simples, ricas em informações e significados, se não lhes damos atenção, por que eles seriam comunicativos em outras situações?
         Ninguém gosta de ser desprezado, ser trocado, ser ignorado. Imagine você no lugar de uma criança, de um jovem, sendo silenciado: “fique quieto. Será que eu posso ver minha novela?! Depois você conta, seu pai está vendo as notícias!” Bela porcaria...! Essas novelinhas só desequilibram. As notícias, forjadas, encomendadas, sempre subservientes à ganância insaciável do consumismo, camuflam os fatos e tentam nos convencer que somos nós os culpados. Dê um tempo. Alguém pode ter coisas interessantes para contar. Escute as pessoas que estão aí, ao seu lado. Lhes fará muito bem!  
Nada é mais importante a um sistema que suas origens, suas raízes. Se nos distanciamos de nossas raízes, bem, já vimos o que está nos custando. Por isso, e por motivos tantos, a arte de se expressar pela arte de contar e escutar estórias é tão fundamental à nossa comunicação, ao nosso partilhar, ao nosso equilíbrio.
         Quando contando estórias, estamos dando à nossa cultura sua cor primeira: a cor da Tradição Oral. Então, sejamos ousados e sigamos com a força mágica do Lúdico. A palavra tem peso físico, tem cor, tem cheiro, tem personalidade, tem vida própria e se fará presente nos neurônios de quem a escutar. Quando nos expressamos, nestes dias barulhentos e inexpressivos, temos que labutar contra a surdez, a desatenção e a falta de hábito das pessoas que, distanciadas de uma boa prosa, têm dificuldade em se aproximar de suas raízes perdidas. Mas, como não se desativa uma pessoa por inteiro, ainda há em cada um de nós, por mais contaminada que esteja a comunicação, um filamento de luz. Por este filamento vivo somos percebidos. A pessoa pode até estar distante. Mas, sua essência, seus neurônios estão ligados e, por esta partícula ativa que resistiu a tantos ataques, ela escutará. Esta informação, fragmentos de nossa estória, ficará armazenada na memória e um dia, num momento mágico, a mensagem é traduzida e faz-se a comunicação.

 Com meu afeto,

Pedro Lusz

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