MANIFESTO DO SERTÃO - A LEITURA E O FIO DA MEADA







        

           Numa conversa, destas prosas que começam assim, sem muitas introduções, escutei de um amigo a frase que me ajudará a desenvolver estas linhas.
         Eu lhe perguntei: “Você não acha que nossas crianças e nossos jovens estão estranhos? Será que estão se rebelando, se revolucionando, ou se perdendo?”
         Ele, velho, mateiro e sem pressa, sorriu meio triste e falou com firmeza: “Estas crianças e estes jovens são nossas sementes, são os pés-de-pau que plantamos. Elas e eles são pedaços do retrato da sociedade. E, todo mundo sabe que a sociedade está muito estranha. A sociedade está doente. A sociedade sim está completamente perdida e cada dia ficando mais doida!”
         Como tenho o hábito de pensar, desde então, não parei mais de refletir sobre estas palavras simples, duras e, seguramente muito profundas. O que está acontecendo com nossas crianças e com nossos jovens?
Após repetir esta pergunta, nos últimos anos, pra muita gente, ditos especialistas, acho que me cansei das besteiras com as quais muitas e muitos tentaram simular respostas científicas. Científicas, frias, vazias e sem rumo.
Depois de conviver com tantas pessoas que trazem no sangue, na alma e na essência a arte de ser mineiro e ser mineira, conheci o belo, profundo e antropológico texto de Mário de Andrade, Ser Mineiro. Se não o conhece, por favor, aprecie.
Sim. Me comportei como mineiro. Perguntei, não por ignorar a resposta, mas pra ver como caminham as teorias científicas da educação. Para mim, o difícil não é responder a esta pergunta. Para mim, o difícil é entender como tantas pessoas têm coragem de negar que a resposta está em nossos atos, em nossas esquinas, em nossas vitrinas, em nossas telas, em nossas enormes vendas. Quem ainda não percebeu o que está acontecendo, ou melhor, o que estamos fazendo?

         Minha mamãe sempre dizia: “Tome cuidado. Olhe bem onde vai botar o pé, pra não pisar no buraco do tatu e encontrar espinhos, ou uma armadilha mais dolorida. É preciso ficar com os olhos abertos, com as orelhas limpas e as idéias acordadas, pra não perder o Fio da Meada!”
         Hoje, alguns anos após escutar tão sábias palavras, percebo a dimensão delas. Hoje, ao me ver no meio de tamanha ziquizira, percebo a falta que nos faz um rumo que dê sentido aos nossos passos.
         Perdeu-se o Fio da Meada, há muito tempo. Muitos e muitas seguiram aquele provérbio idiota: quem está perdido não procura caminho! Assim, foram se embrenhando no desespero, na agonia e no horror que é estar perdido. As pessoas que procederam assim, não pararam pra refletir, pra buscar o Fio da Meada, pra procurar um rumo seguro, mesmo sabendo que estavam perdidas, chegaram numa encruzilhada, sem sequer perceber que estavam diante de várias estradas. Mas, que importância têm estes sinais? Pra que se preocupar com rumos se já não se sabe mais o que é uma estrada? Até porque, a procura não era um caminho e sim uma fuga. Então, vai se tornando impossível acreditar numa direção, pois a cada passo se distancia mais e mais de uma meta.

E AS RAÍZES?

         Já que estamos falando de crianças e jovens, não podemos deixar de pensar nas raízes sobre as quais estes e estas estão se equilibrando. Falemos sobre a Educação que é a base para que a infância e a juventude sejam sinais de segurança, de habilidades sociais, de ética, cidadania, gentileza e noção crítica do mundo.
         Para os povos primitivos, aqueles que tinham na sabedoria da Natureza a fonte de todos os ensinamentos, a criança é o ponto de partida para se definir toda a trajetória de uma pessoa. Vem daí a tão importante expressão Educação de Berço. Na infância uma pessoa observa, absorve e se prepara para seus muitos passos.
         Sabendo disso, pensemos em nossas crianças. O que estão recebendo? Como foram educadas? O que fizeram na deseducação destas cidadãs e cidadãos ávidos, curiosos e indefesos? Com a ganância tecnológica, com a ganância do progresso, para onde foi a inocência de nossas crianças? Onde está a ludicidade, o mundo de mistérios e segredos que só o tempo pode desvendar e traduzir? Basta perguntar para alguns poucos diretores, programadores e apresentadores de televisão que a resposta será encontrada. E os pais, as mães, os primeiros e principais educadores, onde estão? Ah, se matando pra sobreviver. Trabalhando como doidos, pra pagar as dívidas e manter a pose, com tantas geringonças desnecessárias, sem as quais o mundo seria muito melhor. É! Tempos modernos!

         Se o mundo simples, lúdico e lúcido da criança é destroçado, o que vem acontecendo com uma força avassaladora, o que esperar desta pessoa em seus passos seguintes?
         Há também outro provérbio que devemos citar: pau que nasce torto morre torto! Tremendo engano. Com dois suportes, de alguns tocos, coloca-se o pau torto fora do chão, prende-se este pau torto com chapas de ferro, bem amarradas com arame, taca fogo por baixo e, armadas com marretas, algumas pessoas fortes fisicamente, aplica-se uma seção de bordoadas. Em poucos instantes o pau torto estará reto, alinhado. Já perceberam que parece um desejo, uma meta, um objetivo do $istema?
Abandonada e entregue aos caprichos obscenos e gananciosos do Capetalismo a criança se perde completamente, sequer percebe que algum dia controlou o Fio da Meada e passa a crer que a lógica está nas aberrações destrutivas com as quais a Mídia Média Medíocre a tenta cativar e corromper. Destemperada quando criança, a pessoa entra na juventude atropelando os princípios sublimes da ética, da cidadania, da Educação e, antes mesmo de conhecer alguns sinais da caminhada mais adulta já faz parte de uma estatística não de gente, de pessoa, mas de crimes, de bandidagem, de um mundo no qual não deveríamos desejar ver ninguém.
É claro que sabemos também que muitas pessoas sem valores éticos lucram, ou pensam que lucram com esta violência à qual nossos jovens são empurrados.   
         Voltemos ao pau que nasce torto morre torto e à técnica pra endireitá-lo. Antes, porém, é preciso refletir com responsabilidade, pois uma criança não é um pau torto. Uma criança é um broto. Um broto, com sua dança, sua beleza, sua flexibilidade. Um ser muito sensível, curioso que pode e deve ser auxiliado, provocado, guiado com respeito, carinho e firmeza para que esta criança vá se desenvolvendo, se tornando forte, firme e traçando seu rumo, moldando seus movimentos e forjando seu caráter.
         Ao ser auxiliada por alguém de respeito, alguém com equilíbrio, a criança vai descobrindo, observando e absorvendo e teremos um jovem seguro.
         Assim sendo, olhando por esta janela, fica muito fácil perceber o que estamos vendo, comprando e sofrendo nestes dias de tantos desacertos nos rumos de nossa educação, no futuro de nossa gente. Como a criança não foi auxiliada, não foi provocada com respeito, carinho e firmeza, tornou-se um broto torto e, ao chegar à juventude, as primeiras curvas se despontam e aqui estamos nós, numa floresta de paus tortos, sendo o drama de todos e de todas, pois, vendo a impotência de muitos movimentos e a voracidade com a qual as informações nos desinformam, parece que nada se pode fazer, principalmente quando não se tem ferramentas, não se tem sequer conhecimento da dor que nos atormenta. Estas últimas palavras são ecos de muitas lamentações que escutei ao procurar nas pessoas as respostas aos aperreios destas mesmas pessoas. Seguir pra onde, se não se procurou um caminho e sequer se pensou em preservar o Fio da Meada?
         Para muitos, a filosofia de Belchior é perfeita e tranqüilizadora. Para muitos é um verdadeiro tormento. “Ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais!” Quando os pais permaneceram num mundo infantilizado e desnaturado e são tão sem rumos, ou mesmo mais que seus filhos e filhas, quando os pais são tão desequilibrados, tão desamparados, tão carentes quanto seus filhos e filhas, dá no que deu.

         Mas, será que devemos nos contentar com o modismo e acreditar que quanto mais idiota melhor? Será que devemos nos contentar com a esculhambação e afirmar como muitas muitos que a vida é assim mesmo, que sempre foi assim, que o $istema é muito forte e não temos forças pra lutar contra? Ou será que nos resta alguma saída?
         É claro que temos muitas saídas. A principal delas é a Leitura. Quando lemos, percebemos o que está acontecendo, o que estamos fazendo e vivendo e temos a liberdade de escolher como manejaremos o que experimentamos.
         Quando lemos, se o fazemos com atenção, com determinação, buscando na Leitura a tradução do que nos está sendo apresentado, nos empoderamos e criamos oportunidades pra determinar as regras com as quais jogaremos, com que ferramentas podemos contar pra melhor labutar nesta empreitada.
         Ainda voltaremos a esta prosa. Mas, pra finalizar este começo, tomo a liberdade e deixo como sugestões algumas Leituras e algumas perguntas. Ambas pra você partilhar com as pessoas que você estima.

Como você se sente na sociedade de hoje? Mais Coisa, ou mais Gente?

Que herança você desejar deixar no mundo? Como deseja ser lembrado?

Para onde você vai com tanta pressa?

Você entende o que lê?

Você entende as músicas que você escuta?

Livros, Leituras e outra Descobertas

Capitalismo Parasitário – Zygmunt Bauman
Vida para Consumo - Zygmunt Bauman
Calma! Que Pressa é Essa? – Pedro Lusz
O Lixo do Luxo – Pedro Lusz
A Revolução dos Bichos – George Orwell
Inabalável – Wangari Maathai

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